Ter ou não dois pais/mães?

A problemática da adopção de crianças por casais homossexuais, vista á luz do Direito e da Psicologia por uma estudante, finalista do curso de Solicitadoria, com a conjugação da sua visão legal e psicológica dada pelo curso de Psicologia ao tema.
O tema é polémico, extenso e demasiado controverso para em apenas algumas linhas conseguir exprimir todos os pontos de vista, prós e contras de uma problemática tão actual e ao mesmo tempo tão antiga que é a adopção de crianças por casais homossexuais. Mas tentaremos abordar a nossa humilde opinião, propondo-nos a avaliar, ainda que de forma breve a componente psicológica e jurídica da questão.

Legalmente em Portugal não é possível a adopção de menores por casais do mesmo sexo, ainda que casados, desde a entrada em vigor da alteração ao Código Civil que permitiu a união de casais homossexuais. Antes desta alteração defendia-se que as relações homossexuais não eram duradouras e que diferiam muito das relações heterossexuais em vários aspectos, inclusive no facto de estarem impedidos de casar, pois legalmente o casamento destinava-se à constituição de família, algo que duas pessoas do mesmo sexo não poderiam concretizar. Mas a lei portuguesa considera que só há geração de família a partir de um casal formado por duas pessoas de sexos diferentes.

Hoje, com o avanço científico tal já não é sustentável, pois, por exemplo, um casal de mulheres homossexuais poderá conceber e gerar um filho de ambas, socorrendo-se da procriação medicamente assistida, recorrendo a um dador de esperma. E, ainda, um casal de homens homossexuais poderá recorrer a uma barriga de aluguer e conceber um filho de ambos, misturando espermas biologicamente estes serão pais da mesma criança! Ou ainda ambos os casais tipificados, poderão optar pela hipótese de um deles adoptar uma criança e esta crescer a ser educada com o modelo definido por estes pais, dois pais ou duas mães. Ainda que não conste do registo desta criança adoptada ou concebida ela sempre poderá ser criada como se deste mesmo registo constasse o nome destes.

De referir o caso ainda mais estranho (para alguns) do casal americano, um homem (que foi mulher mas entretanto mudou de sexo e de nome legalmente) que gerou o filho deste, que já foi esta, e da sua companheira. Nos dias de hoje já tanto é possível…

Países como a Espanha, Holanda, Bélgica, Suécia, Noruega, Dinamarca, Canadá ou Reino Unido permitem a adopção de crianças por casais do mesmo sexo, alguns já há vários anos, sendo que agora o Reino Unido passa a permitir que as mulheres que recorrem a técnicas de procriação medicamente assistida (PMA), indiquem como “o outro pai (parent)” indistintamente um homem ou uma mulher. Vários outros países já o permitiam, mas a nova lei britânica, que entra em vigor no país que inventou a fertilização in vitro, é mais um forte argumento de pressão para os que defendem a igualdade de direitos parentais entre casais hetero e homossexuais.

Quer por adopção, inseminação artificial, fertilização in vitro, fruto de uma relação heterossexual de uma delas –, os “pais” são duas mães ou dois pais.

Acerca do título, ter ou não ter dois pais ou duas mães, a escolha do mesmo se deve ao facto de nos propormos a realçar o aspecto que é defendido por quem assume ser contra a adopção de crianças por duas pessoas do mesmo sexo, justamente pelo facto de uma criança crescer com o conceito de família com dois papás ou duas mamãs. Contrariamente à maioria dos amiguinhos da escola e desde tenra idade estas crianças terão um modelo de família distinto destes e serão confrontados com a exclusão, com a sátira e com o constrangimento, por vezes, como quando, em regra e por hábito, os professores perguntam o nome do pai e da mãe, quando ensinam e falam de um modelo de família diferente destes meninos e meninas adoptados. A corrente dos “contra” a adopção defende que não deve ser possível a adopção principalmente por estas razões, alegam que é demasiado confuso para os menores crescerem com a própria vida contrariando à maioria de razão, contrariando o modelo familiar dito universal, comum, constituído por pai, mãe e filho(s).

A nossa opinião é contrária, pois prende-se com a ideia de que é melhor a mais que a menos, é melhor ter dois pais ou ter duas mães a não ter nenhum, não conhecer de perto o conceito de pai e mãe, não conviver num meio familiar, não dar nem receber amor a duas pessoas que decidiram ser altruístas e cuidar do filho(a) de alguém que não pôde ou não os quis criar. Uma criança órfã ou rejeitada pelos pais já carrega consigo um trauma tão grande, um peso perpétuo de não conhecerem o afecto de quem os concebeu, de acharem que têm algum defeito ou problema para terem sido abandonados. Tantas carências, mas segundo os “contra”, é melhor assim, menos mau. Será? A opinião dos “contra” tal como a nossa, os “a favor” (já agora em aspas também para não sermos acusados de depreciar ou menosprezar os contra) é questionável, em si têm prós e contras, senão não seria polémico o tema, não envolveria pareceres técnicos de pedopsicólogos e pedopsiquiatras, educadores de infância, juristas, políticos entre outros tantos opinadores do assunto.

A máxima que defendemos é aquela que ouvimos desde muito novos “pai e mãe é quem cria, quem dá amor” e hoje o modelo de família está diferente, temos famílias monoparentais, crianças criadas pelos irmãos, pelos avós, inclusive a chamarem estes de pai e mãe, porque são criados por eles…isto não lhes fará confusão? Cremos que o princípio é o mesmo. Mas defendemos que mais vale amor a dobrar que crescer sem nunca conhecer, descobrir, experimentar, o amor incondicional de pai/mãe para filho e amar alguém da mesma forma, alguém que nos criou, que nos deu carinho, que nos ensinou a ser adulto, a viver em sociedade, a partilhar uma casa, responsabilidades, nos incutiram valores, moral, nos deram acesso aos estudos e a uma profissão, que irão ao nosso casamento, que nos darão um chá quando estivermos com dor na barriga, que ficará sem dormir ao nosso lado quando estivermos doentes, que nos ajudará a criar os nossos filhos e etc.

Talvez seja melhor, segundo os “contra”, crescer numa instituição, ser alvo também de discriminação, limitar-se a aprender o que lhes ensinarem os profissionais, no horário de trabalho destes, recebendo valores de diversas pessoas, com diferentes crenças, religiões, ideais políticos e ao completarem a maioridade virem para a vida, despreparados, pois viveram uma realidade diferente, pouco ou nada realista da sociedade.

Defendemos que não, uma criança tem o direito de viver num lar, numa família, ainda que esta seja uma família diferente. Que utilizem os mesmos critérios de controlo e avaliação dos candidatos que vem sido seguido para os casais heterossexuais, analisem a situação económica, psicológica, profissional, emocional, familiar e relacional destes, concordamos como a exigência, com critérios rigorosos. Mas, por outro lado, há quem seja pai e mãe, biologicamente falando, e nem sequer passe por essa avaliação…a vida é injusta…para caçar, pilotar, conduzir, criar empresas é necessária a respectiva licença, mas para ser pai e mãe qualquer um pode ser e vê-se o resultado: abandono, infanticídio, violência infantil, todos os dias notícias nos jornais. Ninguém pode garantir que todos os casos serão casos de sucesso mas temos que tentar, temos que respeitar o superior interesse da criança e esse passa pela protecção, carinho, conforto, cuidados de saúde, compreensão, adequada educação e afecto que melhor que ninguém só uma família poderá dar.

Já aceitamos e permitimos legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, conferindo-lhe os mesmos direitos que aos casais heterossexuais, mas continuamos a violar o direito constitucional de igualdade. Previa-se que o número de casamentos iria disparar mas tal não veio a acontecer e na nossa humilde opinião, acreditamos que uma batalha foi conquistada mas que esta foi travada essencialmente pelo direito de escolha, o direito de escolher casar ou não e para conferir certos direitos como os de adopção, de aquisição da qualidade de herdeiro, do direito à prestações sociais, etc.

Então, tentemos chegar a consenso, já que maioria absoluta seria impensável, tentemos achar uma resposta, uma solução ao problema e que esta seja breve, sempre pensando e protegendo o superior interesse das crianças…

E se mudássemos a frase “mãe há só uma” para “mãe há só duas” já serviria para a defesa da ideia? Será que se trocássemos os nomes e deixássemos de chamar mãe à mulher e pai ao homem as pessoas pensariam diferente? Porque é que no plural e em português dizemos pais quando falamos de um homem e uma mulher, será que o problema é também devido à língua portuguesa? Muitas perguntas, poucas respostas, mas continuamos confiantes que um dia será permitido aos casais constituídos por pessoas do mesmo sexo a opção de escolha de poder adoptar ou não, visto a via biológica, bem mais difícil, já ter tornado possível a concepção de um filho fruto de duas pessoas do mesmo sexo, falta-nos agora, “apenas”, superar a barreira legal.

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